A HORTA TERAPIA OU TERAPIA HORTÍCOLA
A cura através da jardinagem
Em tempos de crise, a jardinagem ou ainda melhor, fazer uma
horta/jardim, não é só encontrar forma de produzir alimentos acessíveis e
sem químicos: é, também, uma forma de conseguir cura para os males da
alma e do corpo.
Uma dona de casa mais atenta resumiu assim quando o assunto é o seu jardim:
“Quando trabalho no jardim sinto-me feliz, cheia de alegria. O prazer
de ver crescer as plantas e as flores é infinito”, diz uma dona de
casa.
Esta mesma sensação é partilhada por milhares de pessoas em todo o
mundo, talvez sem saber que enquanto colocam na terra umas sementes,
transplantam um gerânio ou podam uma roseira, estão pondo em prática uma
das mais antigas artes curativas. Podemos chamar de horta terapia e há
relativamente pouco tempo que faz parte das ciências da saúde.
Nas últimas duas décadas, uma série de investigações têm constatado
que as plantas e as atividades relacionadas com elas, já benéficas para
todos, têm efeitos especialmente importantes em pessoas com
incapacidades físicas e mentais. Também se tem verificado que ajudam os
pacientes com doenças graves a recuperar a sua independência, a sua
habilidade manual e a sua qualidade de vida.
Além disso as pessoas com dificuldades de comunicação, aprendem a
expressar os seus sentimentos e a estabelecer relacionamentos
partilhando dicas do cultivo das plantas.
O Dr. Benjamin Rush (1746-1813) um dos pais da psiquiatria americana
declarou : “escavar a terra com as mãos tem um efeito curativo nos
doentes mentais”.
Muito antes, em 1699, Leonard Maeger, autor de O Jardineiro Inglês,
disse que “não há melhor forma para preservar a saúde do que passar o
tempo livre no jardim”.
Hoje, há centenas de hospitais em todo o mundo que utilizam as plantas
como tratamento complementar. Os terapeutas hortícolas também trabalham
em escolas, centros penitenciários, lares da terceira idade e centros de
reabilitação, desenvolvendo programas para melhorar o estado físico e
mental, adaptados a qualquer idade e condição.
Têm sido feito programas para crianças tetraplégicas, para pessoas com
mais de 90 anos, para vítimas de acidentes vasculares cerebrais, doentes
de Aids, pessoas estressadas e deprimidas, etc.
Em geral, os programas consistem em envolver o paciente em todos os aspectos e fases da jardinagem e horticultura.
Algumas vezes participam na venda do produto, como um meio de
estimular e melhorar a vida do participante. A escolha do tipo de
plantas depende da pessoa em questão.
Por exemplo para os cegos são especialmente interessantes as plantas
odoríferas ou as ervas aromáticas. Há que ter sempre em conta os
cuidados que requer cada espécie antes de a escolher. E quanto às
ferramentas para a jardinagem, existem desenhos no mercado adaptados a
todas as incapacidades. Dado que o terapêuta hortícola tem que se
especializar em Horticultura e Agricultura, em Psicologia e em Ciências
Sociais e do Comportamento, está capacitado para ajudar e analisar os
problemas de cada doente, assisti-lo nas suas limitações e programar um
tipo de atividade que se ajuste a ele.
Segundo a Associação Americana de Terapia Hortícola, fundada em 1973, as
plantas servem bem a esse papel porque “crescem e mudam, respondem aos
cuidados e não julgam; estimulam a participação e os sentidos e oferecem
esperança”. São capazes de elevar a auto-estima, aliviar a depressão,
melhorar as funções motoras, a concentração, a motivação, a resistência
no trabalho e a destreza manual daqueles que as manipulam.
Uma das pioneiras neste tema foi a escritora Ellen White. Em 1864,
comentando o relato da Criação presente no livro de Génesis, escreveu:
“Sendo que o que Deus tinha feito era perfeitamente belo e parecia que
não faltava nada na Terra que Deus tinha criado para fazer Adão e Eva
felizes, manifestou-lhes o seu grande amor plantando um jardim
especialmente para eles. Numa parte do seu tempo, deviam ocupar-se da
alegre tarefa de cultivar o jardim. O seu trabalho não era cansativo,
antes agradável e revigorante. Este formoso jardim deveria ser o seu lar
e a sua morada especial”.
Posteriormente, em 1903, a mesma autora propôs que se incorporasse a
jardinagem e a agricultura nos planos de estudo do ensino secundário. No
livro Educação declarou: “Para diminuir a tensão provocada pelo estudo,
as atividades realizadas ao ar livre, que proporcionam exercício a todo
o corpo, são muito benéficas. Nenhum tipo de trabalho manual é de maior
valor do que a agricultura.”
Nos Estados Unidos, a terapia hortícola é ensinada na universidade desde
os anos cinquenta. Contudo, esta disciplina é praticamente desconhecida
na América Latina, com exceção da Universidade Adventista del Plata
(Entre Rios, Argentina) que, seguindo as sugestões de Ellen White, a
incorporou no currículo do curso de Medicina no quarto ano, incorporando
o programa na cadeira de Nutrição.
É de esperar que este exemplo se estenda a outras Universidades, e que
os médicos possam prescrever, para além de todo o arsenal farmacológico,
os tratamentos naturais e hortícolas nas suas intervenções
terapêuticas.
E agora, querido leitor que se crê saudável, porque não faz também a sua
pequena horta, no quintal da sua casa ou nos vasos da sua varanda? Verá
que a sua saúde e bem estar serão beneficiados e poderão ter alguns
alimentos extra e saudáveis que lhe poderão ser muito úteis.
Hebhert Oliveira – Natureza Celestial e Vida Feliz
Jardim é terapia
O contato direto com a natureza é capaz de ajudar na recuperação de
doenças, estimulando a vontade de a pessoa viver e lutar. Conheça a
Garden Therapy, ou hortoterapia, uma eficaz coadjuvante dos tratamentos
convencionais
por Cristina Almeida
Meu querido Theo… se eu ficar aqui, o médico naturalmente poderá
avaliar o que há de errado e ficará, espero, mais tranquilo em permitir
que eu pinte… Me sinto forçado a pedir mais tinta, e principalmente
telas. Quando eu lhe mandar os quatro quadros que estou trabalhando
agora, você verá que, desde que cheguei aqui, considerando que passo a
maior parte do tempo no jardim, não é tão triste…”*.
Este é um fragmento da primeira carta escrita pelo famoso pintor
Vincent Van Gogh a seu irmão Theo, em maio de 1889, quando se internou
voluntariamente numa Casa de Saúde da cidade de Saint Remy, em Provença
(França). Após descrever seu quarto, a comida, as poucas atividades
dirigidas aos pacientes e a gravidade de suas doenças, ele informava ao
irmão que se sentia bem. Sofrendo de Transtorno Bipolar, Van Gogh
buscava solução para seus altos e baixos. No período em que esteve ali, o
ambiente que o cercava permitiu que ele produzisse 150 obras, a maioria
retratando flores selvagens, oliveiras, ciprestes, incluindo o
conhecido quadro, Vaso com íris. Passados 120 anos, especialistas
utilizam a Garden Therapy ou hortoterapia como instrumento de cura: o
objetivo é maximizar as funções sociais, cognitivas, físicas e
psicológicas, melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
Esta técnica combina cultura de plantas e jardinagem ativa e passiva
(contemplação ou “jardim-reflexo”), e é considerada eficaz como
coadjuvante das terapias convencionais. Médica e consultora
especializada em Healing Gardens (Jardins da cura) da Faculdade de
Agronomia e Farmácia da Universidade de Estudos de Milão, autora do
livro II giardino che cura (“O jardim que cura”, Ed. Giunti, sem
tradução para o português), Cristina Borghi conta que a terapia nasceu
antes que a psiquiatria se tornasse uma ciência.
Entre os séculos XVIII e XIX, observouse que pacientes psiquiátricos
melhoravam quando se envolviam em atividades de jardinagem em sentido
amplo (cortar lenha, preparar o fogo, carpir ou realizar atividades
domésticas). O contrário, ou seja, se manter inativo, piorava a saúde
física e mental dos doentes.
A técnica combina jardinagem e contemplação para maximizar as funções sociais, cognitivas, físicas e psicológicas dos pacientes
MECANISMOS EM AÇÃO
A partir daí, a hortoterapia passou a ser uma alternativa útil que
faz do paciente um protagonista do próprio restabelecimento. É que a
terapia funciona colocando em movimento três mecanismos distintos: a
interação com as plantas, a ação e a reação.
O primeiro favorece a reciprocidade a partir do médico: “Muitas vezes
o profissional tem dificuldade em aproximar-se porque o doente está
inserido numa realidade de desafeto, delírios e alucinações”, explica
Cristina. Além disso, “a capacidade de interagir é fundamental para
pessoas que sofrem com depressão, ansiedade, autismo e demência. A
terapia também atenua sintomas como a pouca resistência ao estresse,
falta de autoestima e vitimismo”, completa. O segundo mecanismo, a ação,
mantém o doente ocupado, distraindo- o, dando-lhe segurança, e é um
ótimo substituto do trabalho. Favorece a concentração, sendo também um
satisfatório processo criativo.
O terceiro e último mecanismo, a reação, constitui um elemento de
ligação entre o paciente e o jardim, que se estabelece a partir da
resposta emotiva que uma paisagem ou uma flor suscitam. “Esse mecanismo
alcança o inconsciente porque somos psicologicamente dependentes das
plantas, já que elas possuem uma estabilidade dinâmica que opera por
meio da mudança”, revela. Segundo Cristina, observando a natureza,
aprendemos a conhecer e a enfrentar a vida. Amadurecemos e crescemos
adquirindo uma compreensão das coisas indispensáveis para superar os
desafios do cotidiano.
“Um jardim representa o vínculo concreto com admirá- lo, aumenta o
sentido de controle da doença e estimula a vontade de viver e lutar,
mesmo que a qualidade de vida esteja objetivamente ruim.” A médica
lembra que os cuidados com um jardim diminuem o estresse porque permitem
uma pausa que coloca a mente em estado meditativo. “O encanto da beleza
age diminuindo os sentimentos negativos, acalma, leva ao otimismo, à
esperança e promove a confiança na cura: um jardim corresponde ao
arquétipo do Paraíso: um lugar belo, bom e encantado onde vige a
harmonia. O que precisamos é exatamente disso e nada mais.”
- Cuidar de um jardim ajuda a diminuir o estresse porque permite uma pausa que coloca a mente em estado meditativo
AS MUITAS UTILIDADES
Com tantos atributos, a hortoterapia tem sido utilizada em institutos
correcionais, nos casos de dependência química ou alimentar,
fisioterapias, doenças mentais, no tratamento de idosos e doentes senis,
bem como entre crianças com necessidades especiais ou não. Para os mais
velhos, a jardinagem possui um efeito extraordinário, pois estimula a
ação e exercita a coordenação mão-olhos, melhora a capacidade motora
fina, ajudando na abstração do pensamento obsessivo da perda de forças e
da saúde.
“O resultado é que eles se sentem não só úteis e produtivos, mas
menos tristes e solitários.” Nas doenças crônicas, degenerativas ou
invalidantes, quando a resposta aos remédios é insatisfatória, a terapia
torna a vida mais agradável: “Mesmo que o doente não se cure, ele se
sentirá melhor, mais relaxado”, completa Cristina. A terapia pode ter
também ação preventiva porque atividades ao ar livre pressupõem uso dos
músculos e cérebro, exposição aos benefícios do sol e ar puro. Assim, é
uma boa alternativa contra as doenças típicas da cidade: obesidade,
diabetes, doenças cardiovasculares, osteoporose e câncer.
Aliás, para obter resultados clinicamente relevantes para as doenças
coronárias bastam 225 minutos de jardinagem por semana, conforme
concluiu um estudo feito por Carl J. Caspersen, e publicado no American
Journal of Epidemiology.
BEM-ESTAR FÍSICO E MENTAL
Indagada sobre como e em quanto tempo as pessoas reagem à terapia,
Cristina responde que a maioria encontra conforto em contato com a
natureza: “Mas mesmo esta pode surtir alguma resistência naqueles que
não estão prontos para despertar o médico que existe em cada um de nós”.
Quanto à questão do tempo, a médica diz que é difícil saber, pois
cada um é único e tudo depende da gravidade da doença, sua duração, além
da forma como a pessoa reage afetivamente. “Funciona mais ou menos como
numa terapia farmacológica: a diferença é que tomar remédios
desresponsabiliza o doente.”
E pondera: “Muitas vezes, uma pessoa adoece porque se sente
insatisfeita com a própria vida e deseja encontrar uma cura milagrosa,
rápida e eficaz que não existe. Sem esforço e trabalho constantes não se
chega a lugar algum. Todos nós precisamos nos ocupar da nossa
recuperação, pois a equação ‘terapia = remédio’ não é válida. Seria
muito simples tomar uma pílula e ficar bem. Porém tudo na vida é
conquistado com sacrifício, até mesmo o bem-estar físico e mental”,
conclui a especialista
VERDES HOSPITAIS
Comentando sobre a importância das áreas verdes nos hospitais,
Cristina Borghi revela que estudos multidisciplinares, destacando o
trabalho do arquiteto Roger Ulrich, da Universidade Texas A&M (EUA),
confirmam os benefícios terapêuticos pós-operatórios para pacientes que
puderam apreciar o verde da janela de seus quartos. Especializada em
Ciências Ambientais e Healing Gardens, a professora da Universidade de
Estudos de Milão, Sara Pasqui, confirma que “o ambiente influencia os
comportamentos das pessoas e as formas de relacionar, a qualidade do
próprio serviço, a criatividade e a eficiência do pessoal”.
No caso dos hospitais, acrescenta, a situação pode ser bastante
difícil porque o tipo de trabalho ali desenvolvido, por si só, é
bastante difícil e, por isso, “todas as equipes estão sujeitas ao
exaurimento, perda de controle e altas taxas de demissões”.
“Infelizmente, a situação é agravada pela falta de espaços verdes
pensados para possibilitar breves momentos de pausa e distração,
retomada do autocontrole e abstração do contato diário com a morte e o
sofrimento alheios”, explica.
Conforme Sara, para os pacientes, “o efeito terapêutico do verde é
facilmente mensurável por indicadores que descrevem suas condições
físicas (pressão sanguínea, presença de infecções, nível das funções
motoras etc.), bem como pela superação de alguns problemas psicológicos
devidos à carga de estresse a que estão submetidos”. E esclarece:
“Geralmente esses estados são causados pelo isolamento do mundo familiar
e dos amigos, pela incompreensão dos jargões médicos e o temor diante
dos procedimentos, além da impossibilidade de ter informações sobre sua
própria condição”.