16 de May de 2012 às 09:11
Por Amit Goswami – No fim do século 19, os teosofistas, sob a liderança de Madame Helena Blavatsky, redescobriram para o Ocidente algumas antigas verdades orientais. A verdade da ontologia perene – de que a consciência é a base de todo o ser – era clara para eles. Eles reconheciam também dois princípios cosmológicos. Um é o princípio da repetição para o cosmo inteiro – a ideia de que o universo se expande a partir de um big-bang, depois se retrai num big-crunch e em seguida se expande outra vez, esticando e encolhendo de modo cíclico. O segundo princípio era a ideia de reencarnação – a ideia de que existe uma outra vida antes desta e haverá outra depois da morte; nós já estivemos aqui antes e vamos renascer muitas outras vezes.
Para a mentalidade moderna, a reencarnação parece um tanto absurda. Sob implacável pressão da ciência materialista, nós nos identificamos quase totalmente com o corpo físico, de modo que a ideia de que uma parte de nós sobrevive à morte do corpo físico é difícil de engolir. Ainda mais difícil é imaginar um renascimento dessa parte num novo corpo físico. A imagem de uma alma deixando o corpo que morre e entrando num feto prestes a nascer parece particularmente incômoda, porque pressupõe uma alma existindo independentemente do corpo. E nós tentamos com tanto afinco erradicar o dualismo de nossa visão de mundo!
Mas o nosso monismo (1) não precisa ser um monismo fundamentado na matéria. Se, em vez da matéria, a consciência for a base de todo o ser, a primeira dificuldade – aceitar que uma parte de nós sobrevive à morte – é consideravelmente mitigada, pois pelo menos a consciência sobrevive à morte do corpo físico.
Além disso, quando aprendemos que a nova ciência precisa incluir os corpos vital e mental e o intelecto para captar o sentido do que acontece no nível material da realidade, e que o corpo físico é uma espécie de computador (quântico) no qual as funções vitais e mentais estão programadas num software fácil de usar, até mesmo a aceitação da ideia de algo como uma alma se torna fácil. Não, isso não requer dualismo. Nenhum de nossos corpos – o físico, o vital, o mental ou o intelecto – é uma substância sólida, ao estilo newtoniano clássico; eles são, em vez disso, possibilidades quânticas na consciência. A consciência simultaneamente provoca colapsos de possibilidades paralelas desses mundos para compor sua própria experiência de cada momento.
Dos quatro corpos, apenas o corpo físico é localizado, estrutural e também materialmente; é por essa razão que é chamado de corpo grosseiro. Nossos corpos vital e mental são inteiramente funcionais, criados por condicionamento. Nós desenvolvemos propensões a determinadas confluências de funções vitais e mentais no processo de formação das representações no físico. Esses padrões de hábito se constituem de memória quântica – o condicionamento das probabilidades quânticas associadas às funções matemáticas de onda quântica desses corpos. É uma boa descrição científica de uma parte de nós que sobreviveria à morte: o corpo sutil – o conglomerado dos corpos vital, mental e temático –, no qual a memória das propensões passadas (que os hindus denominam carma) é transportada pela matemática quântica modificada dos corpos vital e mental. Podemos chamar esse conglomerado de mônada quântica. (Além dos corpos grosseiro e sutil, existe um terceiro, o corpo causal, constituído do corpo de beatitude do modelo panchakosha, o qual, é claro, sobrevive à morte, porque é a base do ser. Para onde mais ele iria?)
Com isso, a reencarnação é elevada à categoria de fenômeno merecedor de investigação científica, pois a melhor prova científica da existência do corpo sutil, com seus componentes vital e mental, seria um indício de sua sobrevivência e reencarnação. (2)
A mônada quântica sobrevivente, de acordo com o nosso modelo, conserva a memória quântica dos padrões de hábito e das propensões das vidas passadas. E existem amplos dados em apoio à ideia de que as propensões sem dúvida sobrevivem e reencarnam. No entanto, todas as narrativas que acumulamos durante a nossa existência, toda a nossa história pessoal, morrem, de modo geral, com o corpo físico, com o cérebro; essas histórias não são transportadas pelas mônadas quânticas. Mesmo assim, existem dados que mostram que algumas pessoas, especialmente crianças, são capazes de lembrar-se de histórias de vidas passadas, frequentemente com um nível de detalhe surpreendente. Qual é a explicação para essa memória reencarnacional? A não-localidade quântica através do tempo e do espaço esclareceria isso.
Acredito que todas as reencarnações de uma dada mônada quântica são conectadas não-localmente através do tempo e do espaço, correlacionadas em virtude de uma intenção consciente. Pouco antes do momento da morte, quando entramos num estado que os budistas tibetanos denominam bardo (transição), nossa identidade-ego cede consideravelmente; e, quando mergulhamos no eu quântico, tomamos conhecimento de uma janela não-local de recordações – passadas, presentes e futuras. Quando agonizamos, somos capazes de travar uma relação não-local com a nossa próxima encarnação, ainda sendo gestada, de modo que todas as histórias que recordamos se tornam parte das histórias dessa encarnação, agregando-se a suas recordações de infância. Essas recordações podem ser evocadas, mais tarde, sob hipnose. E, em alguns casos, as crianças conseguem evocar espontaneamente essas histórias de suas vidas passadas.
Como a mônada quântica sabe onde deve renascer? Se as diferentes encarnações físicas são correlacionadas pela não-localidade quântica e pela intenção consciente, seria a nossa intenção (no momento da morte, por exemplo) que transporta a nossa mônada quântica de um corpo encarnado para outro.
Indícios de sobrevivência e reencarnação
Existem três tipos de indícios em favor da teoria da sobrevivência e reencarnação do corpo sutil:
• Experiências relativas ao estado alterado de consciência no momento da morte
• Dados sobre reencarnação
• Dados sobre seres desencarnados
Uma espécie de indício vem do limiar da morte, a experiência de morte. As experiências de visões comunicadas psiquicamente a parentes e amigos por pessoas à beira da morte vêm sendo registradas desde 1889, quando Henry Sidgwick e seus colaboradores iniciaram cinco anos de compilação de um Censo das Alucinações, sob os auspícios da British Society for Psychical Research. Sidgwick descobriu que um número significativo das alucinações relatadas envolvia pessoas que estavam morrendo a uma distância considerável do indivíduo que alucinava, e ocorria num prazo de 12 horas da morte.
Mais conhecidas, evidentemente, são as experiências de quase-morte (EQMs), nas quais o indivíduo sobrevive e se recorda de sua experiência. Nas EQMs, nós encontramos uma confirmação de algumas das crenças religiosas de diversas culturas; quem teve a experiência frequentemente descreve uma passagem por um túnel que leva a um outro mundo, guiada, muitas vezes, por uma conhecida figura espiritual da tradição da pessoa ou por um parente morto.
Tanto nas visões no leito de morte quanto nas experiências de quase-morte, o indivíduo parece transcender a situação de morrer, que, afinal, é frequentemente dolorosa e desconcertante. O indivíduo parece experimentar um domínio de consciência “feliz”, diferente do domínio físico da experiência comum.
A felicidade ou a paz comunicadas telepaticamente nas visões no leito de morte sugerem que a experiência da morte é um profundo encontro com a consciência não-local e com seus diversos arquétipos. Na comunicação telepática de uma experiência alucinatória, a identificação com o corpo que está padecendo e morrendo ainda é claramente muito forte. Mas a subsequente libertação dessa identificação permite uma comunicação integral da felicidade da consciência do eu quântico, que está além da identidade-ego.
Que as experiências de quase-morte são encontros com a consciência não-local e seus arquétipos é algo confirmado por dados diretos. Uma nova dimensão da pesquisa sobre a EQM demonstra que uma EQM pode levar a uma profunda transformação no modo de vida do sobrevivente da experiência. Muitos deles, por exemplo, deixam de sentir o medo da morte que assombra a maior parte da humanidade.
Qual é a explicação para a imagética específica descrita pelos que passaram pela EQM? As imagens vistas – personagens espirituais, parentes próximos como os pais ou os irmãos – são claramente arquetípicas. Podemos aprender alguma coisa comparando as experiências dos indivíduos com sonhos, uma vez que o estado que eles experimentam é semelhante ao estado onírico: sua identificação com o corpo se reduz e o ego deixa de ficar monitorando e controlando.
Dados sobre reencarnação
Os indícios em favor da memória reencarnacional são obtidos principalmente a partir dos relatos de crianças que se lembram de suas vidas passadas com detalhes passíveis de comprovação. O psiquiatra Ian Stevenson acumulou uma base de dados de cerca de duas mil recordações reencarnacionais comprovadas. Em alguns casos, ele chegou a levar as crianças aos lugares das vidas passadas de que se lembravam para comprovar suas histórias. Mesmo sem jamais terem estado nesses lugares, as crianças os reconheciam e conseguiam identificar as casas em que tinham vivido. Às vezes reconheciam até mesmo membros de suas famílias anteriores. Em um caso, a criança lembrou-se de onde havia algum dinheiro escondido, e, de fato, encontrou-se dinheiro ali. Os detalhes sobre esses dados podem ser encontrados nos livros e artigos de Stevenson. Um dos modos de se comprovar nosso modelo atual – de que a memorização reencarnacional ocorre numa idade muito precoce, por meio de uma comunicação não-local com o eu à beira da morte da vida anterior – seria verificar se os adultos são capazes de se lembrar de experiências de vidas passadas, quando submetidos à regressão à infância.
Dados sobre entidades desencarnadas
Até aqui, falamos sobre dados que envolvem experiências de pessoas na realidade manifesta. Mas existem outros dados, muito controversos, a respeito da sobrevivência depois da morte nos quais uma pessoa viva (normalmente um médium ou canalizador em estado de transe) alega se comunicar com uma pessoa, e falar por ela, que já morreu há algum tempo e aparentemente habita um domínio além do tempo e do espaço. Isso sugere não apenas a sobrevivência da consciência depois da morte como também a existência de uma mônada quântica sem corpo físico.
Como um médium se comunica com uma mônada quântica desencarnada? A consciência não é capaz de provocar o colapso de ondas de possibilidade numa mônada quântica isolada, mas, se a mônada quântica desencarnada entrar em correlação com um ser material vivo (o médium), o colapso pode ocorrer. Os canalizadores são as pessoas que possuem um talento especial e disposição para atuar nessa qualidade.
O fenômeno da escrita automática também pode ser explicado em termos de canalização. As ideias criativas e as verdades espirituais estão disponíveis para todos, mas o acesso a elas requer uma mente preparada. Como o profeta Maomé foi capaz de escrever o Corão, mesmo sendo praticamente analfabeto? O arcanjo Gabriel – uma mônada quântica – emprestou a Maomé, por assim dizer, uma mente. A experiência também transformou Maomé.
Anjos e devas
Em todas as culturas existem concepções de seres correspondentes ao que, no cristianismo, se denomina anjos. Os devas são os anjos do hinduísmo. Em geral, os anjos, ou devas, pertencem ao reino transcendente e arquetípico do corpo temático, o que Platão chamava de reino das ideias, e são desprovidos de forma. São os contextos aos quais nós damos forma em nossos atos criativos. Mas, na literatura, e mesmo nos tempos modernos, também existem anjos percebidos pelas pessoas como auxiliadores (como Gabriel, que auxiliou Maomé). Na linguagem de nosso modelo, esse tipo de anjo poderia ser uma mônada quântica desencarnada cuja participação no ciclo de nascimento e renascimento já terminou.
Notas
(1) De acordo com o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, o monismo é uma “concepção que remonta ao eleatismo grego (antigo sistema filosófico da escola de Eleia, que só admitia duas espécies de conhecimentos: os que provêm dos sentidos e são apenas ilusão, e os que provêm do raciocínio e são os únicos verdadeiros) segundo a qual a realidade é constituída por um princípio único, um fundamento elementar, sendo os múltiplos seres redutíveis em última instância a essa unidade”. (N. da R.)
(2) Saliente-se que F. A. Wolf (1996) elaborou um modelo de sobrevivência depois da morte dentro do próprio paradigma materialista. Em sua teoria, no entanto, há várias hipóteses que talvez não sejam viáveis; seu modelo de sobrevivência, por exemplo, é válido somente se o universo vier a terminar num big-crunch.
Serviço
Este artigo é um excerto do capítulo “A Ciência e o Espírito da Reencarnação” do livro “A janela visionária – Um guia para a iluminação por um físico quântico”, de Amit Goswami, publicado no Brasil pela Editora Cultrix.
(BRASIL 247)