Para quem esperava por ETs, a decepção foi geral. Mesmo quem especulou sobre bactérias extraterrestres deve ter ficado desencantado.
A NASA acaba de anunciar os resultados de um estudo que pode ter descoberto, na Terra, uma bactéria que, para sobreviver, não depende dos elementos químicos tradicionalmente associados à vida - e isto apontaria para a possibilidade de formas de vida no espaço diferentes da vida que conhecemos na Terra.
Busca por vida extraterrestre
Foram dias de intensas especulações depois que a NASA anunciou, no dia 29 de Novembro, que faria uma conferência hoje "para discutir uma descoberta em astrobiologia que irá impactar a busca por evidências de vida extraterrestre".
Quem leu com atenção e se fixou apenas nos termos usados pela agência espacial não alimentou muitas expectativas - a NASA falava em impactar a buscabusca por vida, e não sobre a localização de vida extraterrestre.
Além disso, nenhum dos cientistas que estarão presentes na conferência que acontecerá daqui a pouco tem ligação com qualquer projeto em andamento que pudesse ter colhido evidências diretas de vida extraterrestre.
A imprensa já havia recebido o material com antecedência, sob a condição de não publicá-lo antes das 19h00 (horário de Brasília). Mas um site holandês quebrou o chamado "embargo" e a revista Science autorizou a publicação antecipada da notícia.
A expectativa pode ter ofuscado um pouco o brilho do achado - mas é um achado importante e, se confirmado por outros experimentos e por outros cientistas, expande o conceito de vida, ao menos nas condições necessárias para mantê-la.
Química da vida
Os livros-texto afirmam que a química da vida é muito específica, requerendo sempre seis elementos químicos: carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre. Qualquer alteração além desse grupo muda a reatividade e a estabilidade molecular, e a vida não se sustenta.
O elemento fósforo normalmente está presente na forma de um fosfato inorgânico.
Agora, Felisa Wolfe-Simon e seus colegas descobriram uma bactéria, chamada GFAJ-1, no salgado Lago Mono, na Califórnia, que parece substituir o fosfato por arsênio, ou arsênico, o elemento químico de número atômico 33 e símbolo As.
Ocorre que o arsênio é fortemente tóxico para os seres vivos. Embora quimicamente ele se comporte de forma similar ao fosfato, ele quebra as rotas metabólicas que sustentam a vida.
Bactéria
A proteobactéria GFAJ-1, da família Halomonadaceae, parece substituir o fosfato por arsênio, levantando a possibilidade de formas de vida totalmente diferentes das atualmente conhecidas. [Imagem: Henry Bortman/Science]
Não é a primeira vez que cientistas encontram organismos que alteram quimicamente o arsênio. Organismos assim já foram associados a eventos de intoxicação na Ásia, sobretudo em Bangladesh, quando a população começou a usar água de cisternas para tentar evitar o cólera.
Mas os dados coletados neste novo estudo parecem demonstrar que a bactéria GFAJ-1 substitui o fosfato por arsênio de tal forma que ela até mesmo incorpora o arsênio em seu DNA. O microrganismo é uma proteobactéria, da família Halomonadaceae.
No laboratório, os pesquisadores cultivaram a bactéria em discos de Petri nos quais o fosfato foi gradualmente substituído pelo arsênio, até que a bactéria crescesse sem necessidade de fosfato, um composto essencial para várias macromoléculas presentes em todas as células, incluindo os ácidos nucleicos, os lipídios e as proteínas.
Usando radioisótopos como marcadores, a equipe seguiu o caminho do arsênio na bactéria, desde a sua assimilação química até sua incorporação em vários componentes celulares. Segundo suas conclusões, o arsênio substituiu completamente o fosfato nas moléculas da bactéria, inclusive no seu DNA.
E a vida extraterrestre?
E o que tem tudo isso a ver com a busca por sinais de vida extraterrestre?
Ora, se um elemento tóxico como o arsênio pode substituir o fósforo em uma bactéria, isso expande a busca por formas de vida fora da Terra - até agora, encontrar arsênio em um alvo promissor para a existência de vida extraterrestre poderia fazer com que os cientistas descartassem o sítio onde o elemento foi localizado, por exemplo.
E, mais importante, se há uma substituição de fosfato por arsênio, é possível que ocorram outras substituições, abrindo ainda mais o leque de possibilidades.
"A vida como nós a conhecemos exige elementos químicos específicos e exclui outros. Um dos princípios-guia da busca por vida em outros planetas é que nós devemos 'seguir os elementos'," diz Ariel Anbar, membro da equipe de astrobiologia da NASA e coautor do novo estudo. "O trabalho de Felisa nos ensina que devemos pensar melhor sobre quais elementos seguir."
Para Wolfe-Simon, nossa relação com a busca por formas de vida, em vez de se basear na tão falada "diversidade da vida", na verdade assume que toda a vida na Terra é essencialmente idêntica, sempre baseada nas "constantes da biologia, especificamente que a vida exige os seis elementos CHNOPS montados em três componentes: DNA, proteínas e lipídios."
CHNOPS são os símbolos químicos dos elementos carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre.
Uma parte do grupo já havida levantado anteriormente a hipótese de "formas estranhas" de vida aqui mesmo na Terra, que poderiam existir em uma espécie de "biosfera-sombra". Eles publicaram em Janeiro de 2009 um artigo chamado "Será que a natureza também escolheria o arsênio?"
Bactéria
Felisa Wolfe-Simon recolhe cuidadosamente amostras da sua "bactéria extraterrestre" em um lago salgado da Califórnia. [Imagem: Henry Bortman/Science]
Céticos
Os experimentos feitos até agora não são definitivos e ainda deverão ser questionados por outros pesquisadores.
O próprio grupo afirma que ainda é necessário avaliar os níveis de arsênio e fosfato usados no experimento, assim como se certificar de que o arsênio foi realmente incorporado nos mecanismos bioquímicos vitais da bactéria, como DNA, proteínas e membranas celulares.
Steven Benner, um astrobiólogo ouvido pela própria revista Science, onde a pesquisa foi publicada, afirma que a substituição do fósforo pelo arsênio "em minha opinião não ficou estabelecida neste trabalho."
Barry Rosen, da Universidade de Miami, disse que o arsênio pode estar simplesmente se concentrando nos extensos vacúolos das bactérias, e não se incorporando em sua bioquímica. Segundo ele, a prova definitiva pode vir, por exemplo, na demonstração de uma enzima funcional que contenha arsênio.
Forma alienígena de vida
Davies está mais entusiasmado, embora destaque que, apesar de tudo, a bactéria ainda é uma forma de vida da Terra.
"Este organismo tem uma capacidade dupla. Ele pode crescer tanto com fósforo quanto com arsênio. Isto o torna peculiar, mais ainda longe de ser alguma forma verdadeiramente 'alienígena' de vida, pertencente a uma outra árvore da vida, com uma origem distinta. Entretanto, a GFAJ-1 pode ser um indicador para organismos ainda mais esquisitos. O cálice sagrado será um micróbio que não contenha fósforo de jeito nenhum," disse o cientista.
Davies prevê que o novo organismo "é seguramente a ponta do icebergue, com potencial para abrir um domínio totalmente novo na microbiologia."
E, certamente, não são apenas os cientistas que se interessam pela descoberta.
"Nossa descoberta é uma lembrança de que a vida como nós a conhecemos pode ser muito mais flexível do que nós geralmente assumimos ou mesmo que podemos imaginar," afirmou Wolfe-Simon.
"Esta história não é sobre arsênio ou sobre o Lago Mono," diz ela. "Se alguma coisa aqui na Terra faz algo tão inesperado, o que poderá fazer a vida que nós ainda não conhecemos? Este é o momento de descobrir. (Redação do Site Inovação Tecnológica - 02/12/2010)
Bibliografia:
A Bacterium That Can Grow by Using Arsenic Instead of Phosphorus
Felisa Wolfe-Simon, Jodi Switzer Blum, Thomas R. Kulp, Gwyneth W. Gordon, Shelley E. Hoeft, Jennifer Pett-Ridge, John F. Stolz, Samuel M. Webb, Peter K. Weber, Paul C. W. Davies, Ariel D. Anbar, Ronald S. Oremland
Science
2 December 2010
Vol.: ScienceXpress
DOI: 10.1126/science.1197258
Did nature also choose Arsenic?
F. Wolfe-Simon, P.C.W. Davies, A.D. Anbar
International Journal of Astrobiology
2009, January
Vol.: 8: 69-74
Nenhum comentário:
Postar um comentário